quinta-feira, 30 de março de 2006

Banda: The Beatles; Álbum: The Beatles (ou White Album)



Banda: The Beatles

Álbum: The Beatles (ou White Album)
Ano: 1968
Gênero: Rock

Quem lê este blog (se é que alguém lê) deve estar se perguntando: "primeiro esse (a) maluco (a) fala de uns discos e bandas que eu nunca ouvi falar, e agora vem falar de Beatles?". Pois é, Beatles. O maior ícone pop de todos os tempos. A maior banda de todos os tempos. A maior lenda musical de todos os tempos.

Os garotos de Liverpool, que começaram a carreira no fim dos anos 50 e anunciaram que o sonho estava acabado em 1970, com certeza foram revolucionários. Reinventaram o rock and roll, dando pitadas de carisma e criatividade nunca vistos antes. Contar a história dos Beatles em poucas linhas é muito difícil, visto que existem muitos detalhes e, mesmo tendo durado cerca de 10 anos, foi muito intensa. Já é muito conhecido, por exemplo, que não houveram crimes nos EUA durante a exibição da performance dos Beatles no programa de Ed Sullivan. É óbvio que eles mexeram com a cabeça de muita gente.

Mas os Beatles não foram só iê-iê-iê. A partir da metade dos anos 60, se envolveram com as drogas alucinógenas (principalmente ácido lisérgico, o tão famoso LSD) e mudaram progressiva e radicalmente de estilo. A mudança já era perceptível em Help!, lançado em 1965 - músicas como "I Need You" e "Tell Me What You See" já mostavam que o Fab Four estava amadurecendo. Muita coisa boa se seguiu desde então (incluindo os clássicos Rubber Soul, Revolver e a lenda Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band), mas eu vejo que o auge criativo/musical dos Beatles foi atingido em 1968 (isso mesmo, no ano que não terminou) - o álbum alto intitulado, ou White Album, ou simplesmente Álbum Branco.

Muita especulação se fez a respeito deste álbum, visto que os Beatles passaram um bom tempo na Índia e pouco se sabia a respeito das novas composições. Além disso, o último trabalho lançado por eles havia sido o filme Magical Mistery Tour, que foi considerado o primeiro fracasso dos Beatles - a pressão era grande.

Para complicar ainda mais a situação, Ringo Starr anunciou sua saída dos Beatles por ter seu talento "subestimado pelos outros". Porém, retornou à banda duas semanas depois e encontrou sua bateria coberta por flores. Mas vamos ao Álbum Branco.

Ao retornar da Índia, os Beatles trouxeram uma enorme quantidade de material novo - ou melhor: John trouxe muito material, Paul trouxe muito material, George trouxe muito material e - pasmem - Ringo, que nunca havia composto uma única música, trouxe material. Não havia uma única composição em conjunto. A individualidade estava à flor da pele, e era o começo do fim dos Beatles. Mas isso contribuiu com a gravação de um dos melhores álbuns de todos os tempos. Para facilitar, dividirei esta resenha por membro dos Beatles, começando por John.

As Músicas de John
John Lennon contribuiu com 13 das 30 músicas. Dear Prudence, Glass Onion, Continuing Story of Bungalow Bill, Happiness Is A Warm Gun, I'm So Tired, Julia, Yer Blues, Everybody's Got Something To Hide Except Me And My Monkey, Sexy Sadie, Revolution 1, Cry Baby Cry, a tão controversa Revolution 9 e Good Night.

John havia acabado de conhecer Yoko Ono e estava extremamente apaixonado (Ono aparece, inclusive, nas gravações de Continuing Story of Bungalow Bill e Revolution 9), mas ainda era John Lennon. A busca por novos elementos e sons beira o experimentalismo. Embora ele mantenha sua veia melódica e sentimental em faixas como Julia e Dear Prudence, mostra influências totalmente modernas em Hapiness Is A Warm Gun, Continuing Story of Bungalow Bill e, claro, em Revolution 9. Falando em Revolution 9, vamos explicar o porquê desta faixa causar tanta polêmica.

Prá começar, nenhum dos outros Beatles queria que esta música entrasse no álbum, mas John fez tanta questão que não teve como dizer não. Muitos fãs defendem que Not Guilty, um blues de George, preencheria o espaço muito melhor, mas eu discordo por diversas razões. A primeira e mais forte é simples: Revolution 9 é absolutamente pioneira e ímpar. Não existe coisa parecida feita naquela época, e esta época é 1968 - um ano em que o mundo passou por tantas mudanças e revoltas. Todos os samples caóticos, gritos, protestos contidos na música são um retrato de 68. Além disso, foi de extrema inteligência colocar Revolution 9 entre as calmas Cry Baby Cry e Good Night - o contraste funciona muito bem, muito melhor que se Not Guilty assumisse o lugar. Outro fator é que Not Guilty me lembra, em algum aspecto, Old Brown Shoe, também de George, mas isso é muito pessoal e não vale como argumento. Falemos de Paul.

As Músicas de Paul
Paul contribuiu com 12 das 30 músicas: Back In The USSR, Ob-La-Di Ob-La-Da, Wild Honey Pie, Martha My Dear, Blackbird, Rocky Racoon, Why Don't We Do It In The Road, I Will, Birthday, Mother Nature's Son, Helter Skelter e Honey Pie.

Paul estava entrando em sua pior fase na vida pessoal. Bebia demais, estava ligeiramente deprimido e com atritos com os demais integrantes da banda. Porém, isso não impediu que Paul compusesse e gravasse suas músicas (mesmo que, muitas vezes, gravasse sem a presença dos outros Beatles no estúdio).

No começo das gravações, como já foi dito, Ringo deixou a banda alegando ser menosprezado e rejeitado pelos demais membros da banda, mas isso não fez com que os Beatles parassem o processo de gravação, e o baterista escolhido para substituir Ringo foi... Paul. A bateria de duas faixas do álbum branco são de Paul: Back In The USSR e Dear Prudence (The Ballad Of John and Yoko também conta com a bateria de Paul, mas por outro motivo: era o único músico além de John no estúdio naquele momento).

As composições de McCartney são, como sempre, as mais elaboradas do disco. Melodias muito bem compostas, variedades de ritmos, virtuosismo - não é à toa que Paul é o beatle preferido dos músicos eruditos. Mas algumas coisas bem interessantes aconteceram aqui.

Paul sempre foi tido como o Beatle doce e romântico - o compositor de baladas como And I Love Her, All My Loving, Yesterday e muitas outras. Mas neste disco Paul mostrou, junto ao romantismo, uma face extremamente agressiva e violenta, principalmente na faixa Helter Skelter - a música que "inspirou" Charles Manson e seu grupo a cometerem um dos massacres mais famosos dos anos 60. Pois é, uma das primeiras músicas de metal da história é dos Beatles - e do beatle mais sensível.

A variedade e incrível. Além da fúria de Helter Skelter, temos a doçura de I Will, o minimalismo de Blackbird, o experimentalismo de Wild Honey Pie... enfim, a criatividade é interminável. Vamos a George.

As Músicas de George
George foi o beatle que introduziu a música oriental nas composições dos Beatles. Além disso, sempre foi tido como o "beatle zen", e mesmo dentro das turbulências do álbum branco ele manteve a classe e a calma nas 4 músicas que escreveu - While My Guitar Gently Weeps, Piggies, Long Long Long e Savoy Truffle.

A canção mais bela de George é, com certeza, While My Guitar Gently Weeps, que conta com a participação de Eric Clapton. A leveza combinada com o feeling da guitarra forma um contraste incrível. As demais composições são bem diferentes entre si, quebrando a linearidade dos álbuns anteriores (tanto Within You Without You quanto Blue Jay Way apresentavam cítaras e elementos típicos de música indiana). Piggies é uma crítica muito bem humorada à corrupção política. Long Long Long é uma declaração de amor à Deus e Savoy Truffle brinca com a fixação de Eric Clapton por doces. Cada uma com seu estilo, ora folk ora soul.

Uma composição de George ficou fora do álbum, a ótima Not Guilty, um blues cheio de groove. Mas o espaço de George era limitado por John e Paul, e desta vez havia mais alguém reclamando seu espaço.

A Música de Ringo
Pela primeira vez na história dos Beatles, Ringo contribuiu com uma composição. A meio country Don't Pass Me By tem um refrão grudento, violinos bem executados e a clássica voz anasalada de Ringo.

Além da composição própria, Ringo canta Good Night, de Paul, para encerrar o disco.

Encerrando...
O álbum branco é totalmente diferente dos demais trabalhos dos Beatles. A individualidade interfiriu positivamente nas composições, trazendo à tona a criatividade de cada um. Infelizmente o péssimo clima entre os integrantes levaria a banda ao seu fim dois anos mais tarde, mas fica este legado que influenciou muitos, mas muitos músicos no futuro.

O tracklist é o seguinte:

Disco 1:
1. Back In The USSR
2. Dear Prudence
3. Glass Onion
4. Ob-La-Di, Ob-La-Da
5. Wild Honey Pie
6. The Continuing Story Of Bungalow Bill
7. While My Guitar Gently Weeps
8. Happiness Is A Warm Gun
9. Martha My Dear
10. I'm So Tired
11. Blackbird
12. Piggies
13. Rocky Racoon
14. Don't Pass Me By
15. Why Don't We Do It In The Road
16. I Will
17. Julia

Disco 2:
1. Birthday
2. Yer Blues
3. Mother Nature's Son
4. Everybody's Got Something To Hide Except Me And My Monkey
5. Sexy Sadie
6. Helter Skelter
7. Long Long Long
8. Revolution 1
9. Honey Pie
10. Savoy Truffle
11. Cry Baby Cry
12. Revolution 9
13. Good Night

segunda-feira, 20 de março de 2006

Artista: Björk; Álbum: Medúlla



Artista: Björk
Álbum: Medúlla
Ano: 2004
Gênero: Avant-garde; acapella

O nome da figura é Björk Guðmundsdóttir. Ela é uma das 300 mil pessoas nascidas na remota ilha da Islândia, que fica entre a Groenlândia e a Noruega. Veio ao mundo em 21 de Novembro de 1965, e desde então recebeu infinitos rótulos. Seu primeiro lançamento aconteceu em 1977, quando a cantora tinha apenas 12 anos. Anos mais tarde, ela seria a principal figura da banda Sugarcubes, vindo a se tornar artista solo na década de 90.

O primeiro álbum solo da Björk é o ótimo Debut, que possui influência de pop, jazz, trip hop e outros gêneros. E embora o álbum tenha sido um sucesso, ela não se acomodou e inovou a cada álbum. Post apresentava variações incríveis, como a perfeita Hyperballad, que mistura música eletrônica de balada com violinos extremamente melódicos. Homogenic é tudo menos homogênico, contrastando a extremamente otimista Alarm Call com a caótica e furiosa Pluto. Vespertine é uma viagem sem precedentes, e então Björk ficou 4 anos sem lançar material novo.

Muita especulação se fez acerca de Medúlla, lançado em 2004. Era óbvio que ela estava tendendo ao minimalismo (Vespertine apresenta batidas extremamente delicadas, muitas imperceptíveis se não ouvidas com um fone de ouvido muito bom), mas quando ela anunciou que 99% dos sons ouvidos no álbum haviam sido produzidos sem instrumentos, ninguém sabia o que esperar.

Vários artistas foram convidados para participarem das gravações. Mike Patton, que já foi citado à exaustão neste blog, participa das faixas The Pleasure Is All Mine e Where Is The Line; Robert Wyatt, que já foi do Soft Machine, participa da faixa Submarine; a exótica "throat singer" (algo como cantora de garganta) esquimó Tagaq participa das faixas Ancestors e Mouth's Cradle; os beatboxes do álbum todo ficaram por conta do rapper Rahzel, que fazia parte da banda The Roots, e de Dokaka, um beatboxer japonês. É interessante notar que são músicos com diversos perfís. Conheço bastante o trabalho de Mike Patton, Rahzel e Dokaka, e são totalmente distintos.

Ao ouvir o CD, notamos que é diferente de tudo o que já foi feito por Björk. A faixa de abertura, a belíssima Pleasure Is All Mine, inicia com uma bela harmonia de vozes e, mais para frente, são as vozes que se transformam em plano de fundo, juntamente com o suave beatbox feito por Rahzel. O crescendo da canção causa arrepios e alguns gemidos vão surgindo, e ficamos com a impressão de que estamos ouvindo um coral de anjos fazendo sexo (se é que eles têm um).

Daí prá frente, temos faixas de todos os estilos. Show Me Forgiveness é um solo de Björk, mas a próxima faixa é extremamente sofisticada. Where Is The Line começa com Björk repetindo "Where is the line with you?", e logo ouvimos Mike Patton entrando com sua voz extremamente grave e, inesperadamente, uma avalanche de vozes e beatboxes preenchem a canção. O ritmo é incrível, quase primitivo, e é difícil não se surpreender.

Os grandes destaques do álbum são Who Is It (Carry My Joy On The Left, Carry My Pain On The Right), Submarine, Oceania, Ancestors, Mouth's Cradle e Triumph Of A Heart.

Who Is It foi o primeiro single, e apresenta uma deliciosa melodia e um refrão grudento. O beatbox feito por Rahzel impressiona pela perfeição. Submarine parece ter sido gravada por um coral de anjos de tão bela, com o silêncio sendo muito bem explorado. Oceania, o lindo bolero cantado por Björk na abertura dos jogos olímpicos de Sidney, tem a letra feita pelo poeta islandês Sjón. O ritmo com que o coral canta remete ao movimento das ondas do mar, numa incrível referência que independe da letra.

Ancestors é absurdamente experimental. Com um piano suave, Björk e Tagaq fazem harmonias totalmente excêntricas, com gemidos e sons guturais (afinal, como já foi citado, Tagaq é uma throat singer). Totalmente anti-convencional. Tagaq também participa de Mouth's Cradle, mas de um jeito totalmente diferente. Seus sons guturais funcionam quase como um beatbox, dando uma característica bem peculiar à música. E finalmente Triumph Of A Heart, com beatboxes de Rahzel e Dokaka. A música poderia tocar com facilidade em qualquer danceteria, mesmo sem ter qualquer elemento não-vocal. Os efeitos vocais de Dokaka são surpreendentes.

Tracklist:
1.
The Pleasure Is All Mine
2. Show Me Forgiveness
3. Where Is The Line

4. Vökuró
5. Öll Birtan
6. Who Is It (Carry My Joy On The Left, Carry My Pain On The Right)
7. Submarine
8. Desired Constellation
9. Oceania
10. Sonnets/Unrealities XI
11. Ancestors
12. Mouth's Cradle
13. Miðvikudags
14. Triumph Of A Heart

Recomendadíssimo do início ao fim.

Eis o clip de Oceania: