quarta-feira, 1 de abril de 2009

Banda: Locomotiv GT; Álbum: Locomotiv GT


Banda: Locomotiv GT
Álbum: Locomotiv GT
Ano: 1971
Gênero: Hard Rock

Quando falamos de rock set(ss)entista, principalmente de hard rock ou progressivo, quase sempre citamos as mesmas bandas: Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple, AC/DC, Aerosmith. Enfim, bandas do eixo EUA - Reino Unido, passando no máximo por outros países de língua inglesa como a Austrália (no caso do AC/DC) e Canadá (casa do Rush, Heart, entre outros) ou por bandas de outros países que cantavam em inglês, como os alemães do Scorpions. Mas também existia rock em outras línguas. Até em húngaro.

"Húngaro?", você pode estar se perguntando. Sim, húngaro. A língua que Chico Buarque descreve como "a única língua que o diabo respeita" em seu livro Budapeste.

E é de Budapeste que vem o Locomotiv GT, banda de hard rock formada em 1971 por músicos já consagrados dentro da Hungria: Gábor Presser (teclados e vocal), József Laux (bateria), Károly Frenreisz (baixo) e Tamás Barta (guitarra). A esposa de Presser, Anna Adamis, colaborava com as letras.

O que pude observar sobre a biografia da banda no site oficial é que o sucesso do Locomotiv GT se deu principalmente nos países socialistas, onde eram autorizados a tocar. Tocaram até em Cuba, e curiosamente a maior base de fãs do LGT é polonesa. Mais até que em sua terra natal. Mas, apesar disso, trabalharam com o produtor dos Rolling Stones, Jimmy Miller, que editou material da banda nos EUA e Londres. Porém, mesmo tendo gravado em inglês posteriormente, eles nunca realmente deslancharam por lá, como era de se esperar em um mundo dividido como era nos anos 70.

Esse "fracasso" quase levou o Locomotiv GT a encerrar suas atividades em 1977, mas a mudança constante de membros fez com que a banda fosse se renovando e mantendo o fôlego. Em 1992 a banda acabou, mas voltaram cinco anos depois e estão na ativa até hoje.

Nesta resenha falarei sobre o primeiro disco da banda, intitulado simplesmente de Locomotiv GT.

O debut foi lançado no ano da fundação da banda, 1971, e fugia bastante dos padrões da cena húngara da época., pois era muito influenciado pelos músicos americanos e ingleses que os rapazes do LGT admiravam. O resultado disso é um álbum interessantíssimo, que mescla hard rock com blues e um je ne sais quoi que torna o som dos húngaros distinto das demais bandas do gênero. Além, claro, da língua.

Abaixo, um rápido vídeo de uma mulher falando em húngaro:

Se você conseguir imaginar essa língua soando bem em um hard rock antes de escutar o Locomotiv GT, parabéns. Mas realmente acho bem difícil alguém conseguir.

Mas voltando ao debut do LGT, a primeira faixa é a profunda Egy Dal Azokért, Akik Nincsenek Itt. É uma quase balada que intercala trechos falados com cantados, tudo isso coroado a um instrumental impecável, com solos de flauta e sintetizadores.

A Napba Öltözött Lány é completamente diferente. É um rock mais direto, cru, apesar das harmonias vocais. Tem um ritmo marcante e solos extensos de teclado e guitarra. Essa, aliás, é uma das principais características desse disco: a improvisação. Temos ótimos músicos aqui.

A Kötéltáncos Álma é uma balada melancólica, com um clima meio Clube da Esquina, se a comparação não for muito inadequada. Talvez porque um dos riffs que a guitarra toca lembra bastante um interlúdio de Gran Circo, de Milton Nascimento (música do álbum Minas, que já foi resenhado aqui). Belíssima.

Depois da calmaria vem a pauleira de A Tengelykezu Félember. Trata-se de um hard rock bem ledzeppeliano, com slide e riffs marcantes. Uma forte candidata a melhor do disco, tanto pelos riffs quanto pelo solo destruidor de Tamás Barta.

Hej, Én Szólok Hozzád é outra pancada, com algumas quebras bem inesperadas, saxofone e uma levada à lá Fifty-Fifty, do Zappa - não apenas pelo ritmo, mas pelos vocais fortes. Mais uma vez Tamás Barta mostra a que veio - é um grande guitarrista.

Talvez a música mais "comercial" do disco seja Ezüst Nyár, que traz um refrão marcante com direito a "na, nana na, nana na" (com certeza a única parte do disco em que qualquer um de nós canta junto). Interessante o uso da percussão nesta faixa, de uma maneira totalmente diferente do tradicional no hard rock.

Ordító Arcok é uma das mais interessantes do disco, trazendo um ritmo truncado e swingado ao mesmo tempo. Além disso, traz harmonias em 6ª, um tipo de combinação muito pouco usada no estilo. Muito boa.

A influência do jazz no som do Locomotiv GT fica clara em Sose Mondd A Mamának. A versatilidade dos músicos, se não estava clara até agora, transborda nesta música. Voz impecável, baixo impecável, bateria impecável, guitarra impecável.

Nem Nekem Való é um ponto que considero negativo em relação ao resto do disco. Apesar do riff interessante, não traz nada de novo e talvez pudesse ter uma bateria mais elaborada. Pode pular essa.

A saideira é Royal Blues (Gipszeld Be A Kezed). Mais uma muito ledzeppeliana, lembra um pouco a última faixa do Led Zeppelin III, Hats Off To (Roy) Harper, com aqueles slides frenéticos e vocais berrados. Mas esta traz um saxofone e, quando tudo parece acabar, temos mais um minuto de rock and roll de lambuja.

É um grande disco, apesar de ser em uma língua totalmente estranha e jamais ter tocado (e provavelmente nunca tocará) numa rádio brasileira.

Recomendadíssimo.

Tracklist:

1. Egy dal azokért, akik nincsenek itt
2. A Napba öltözött lány
3. A kötéltáncos álma
4. A tengelykezű félember
5. Hej, én szólok hozzád
6. Ezüst nyár
7. Ordító arcok
8. Sose mondd a mamának
9. Nem nekem való
10. Royal blues

Escute Egy dal azokért, akik nincsenek itt clicando abaixo:


quarta-feira, 25 de março de 2009

Banda: Banda do Casaco; Álbum: Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios


Banda: Banda do Casaco

Álbum: Dos Benefícios Dum Vendido No Reino Dos Bonifácios
Ano: 1974
Gênero: Folk Português; Rock

Durante uma conversa com um amigo, ambos nos indignamos com o fato de conhecermos tão pouco sobre a música lusitana. Claro, todos ouvimos falar do fado, e todos ouvimos falar de Roberto Leal (e da impagável paródia que os Mamonas Assassinas fizeram no Vira). O fado, os lusitanos que me perdoem, me soa um pouco enfadonho, se me permitem o trocadilho; pessoalmente, não me atrai a música de Roberto Leal. Mas a minha visão sobre a música portuguesa mudou completamente ao escutar o primeiro disco da Banda do Casaco.

Não sei dizer com certeza como nunca ouvi falar sobre eles antes, mas imagino que pouca gente no Brasil os conheça. Terá sido nossa ditadura, que mal deixava nossos artistas se expressarem, quanto mais que os lusitanos, falando a "mesma" língua? Não sabemos, mas no mesmo ano da Revolução dos Cravos (1974) nasceu seu primeiro disco, Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios.

Antes de falar desse debut maravilhoso, é importante falar um pouco sobre a banda, já que aqui no Brasil eles são praticamente anônimos. A origem da Banda do Casaco está ligada ao fim de outro grupo, o projeto Filarmônica Fraude. Este projeto chegou a lançar um LP chamado Epopéia, tido como um dos principais discos de música portuguesa do século XX devido ao seu caráter inovador, que misturava música tradicional portuguesa com outros elementos, como o pop e o rock britânico. Os membros principais da Filarmônica Fraude eram Antônio Pinho, letrista, e Luís Linhares, arranjador e principal compositor.

Quatro anos após o fim súbito da Filarmônica após um ano de atividade (1969), Pinho e Linhares se uniram ao guitarrista Nuno Rodrigues, escolado em gêneros como o jazz, e juntos começaram a compôr material para o que seria a Banda do Casaco. Pinho compôs as letras e Rodrigues as melodias e arranjos. E não eram quaisquer letras ou quaisquer arranjos, e isso ficou muito claro em Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios.

A faixa de abertura é Aliciação - Espírito Imundo, e o começo poderia, talvez, estar em um disco dos Mutantes ou dos Secos e Molhados. Uma percussão constante contrasta com cellos e violinos, dando a impressão de algo grandioso e exótico ao mesmo tempo. Eis que uma voz tenebrosa sussurra: "Quem és tu que me abraças, agora que o sono me empurra com suas mãos negras e quentes? Quem és tu que me agarras? Te exconjuro!". Eis que, quase de repente, um coral feminino faz uma intervenção e dá lugar a um suave piano e à voz de Nuno Rodrigues, e conforme a música se desenvolve nos surpreendemos com um coral cantando "espírito imundo" na melodia de "aleluia". "Quem és tu que me beijas e faz sentir um frio dos infernos?"

Apenas pela faixa de abertura já é possível perceber o quão teatrais são as composições da Banda do Casaco. Isso sem falar na gritante influência da música tradicional portuguesa, e isso podemos afirmar sem conhecê-la. Na segunda faixa, D'Alma Aviada, há diversas características medievalescas, tanto pelos instrumentos quanto pela melodia.

Ladainha das Comadres tem um ritmo frenético, muito marcado pela percussão e pelo ritmo do canto das mulheres, além, novamente, de diversas características medievais, como o uso da flauta.

Uma das melhores faixas do disco é A Cavalo Dado. Diversas viagens musicais aqui, passando de uma parte a outra sem aviso algum. Além disso estão aqui os trocadilhos das letras de Pinho, uma de suas características mais marcantes. "Imperador... a tua imperatriz é por um triz que não se diz ser meretriz... e merecia!".

Cada faixa é uma viagem rica e elaborada, com letras muito bem trabalhadas e instrumentos muito bem executados. Outro destaque do álbum, por exemplo, é Cocktail do Braço de Prata, que tem um quê de jazz misturado com folk, com direito a compassos quebrados e mudanças de ritmo que até Deus duvida.

Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios não é apenas um álbum que merece ser ouvido, mas uma importante referência no que diz respeito à maravilhosa música que o mundo produziu nos anos 70.

Recomendadíssimo.

Tracklist (clique para escutar):

1. Aliciação - Espírito Imundo
2. D'Alma Aviada
3. A Ladaínha das Comadres
4. A Cavalo Dado
5. Henrique Ser Ou Não Enriquecer
6. Bonifácios
7. Lavados, Lavados Sim
8. Cocktail Do Braço De Prata
9. Na Boca Do Inferno
10. Horas De Ponta e Mola
11. Memorando - Sábado Sauna - Sábado Santo

12. Opúsculo

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Artista: Arnaldo Baptista; Álbum: Lóki?


Artista: Arnaldo Baptista
Álbum: Lóki?
Ano: 1974
Gênero: Rock; MPB

Vou resistir à tentação pungente de usar uma frase proclamada por bocas de inúmeros roqueiros brasileiros: se você não conhece Os Mutantes você não sabe nada do rock and roll. Eu mesmo usei um eufemismo desta frase em outro lugar desse blog. Desta vez vou apenas me permitir dizer que, ao conhecê-los, você verá o rock brasileiro com outros olhos.

Ao resenhar o Jardim Elétrico, dos Mutantes, lançado em 1971, falei rapidamente sobre a trajetória da banda até o lançamento do referido disco. O que aconteceu depois, porém, é fruto de muita discussão e controvérsia. São fatos confirmados por uns, desmentidos por outros, mas o inegável é que, após o lançamento do quinto disco de estúdio em 1972 (o ótimo Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets), Rita Lee foi chutada da banda e os irmãos Baptista, juntamente com Liminha e Dinho Leme, gravaram o disco O A e o Z. O novo material trazia uma banda quase irreconhecível, mostrando um som muito próximo do rock progressivo. Músicas longuíssimas, como a faixa título e Hey Joe (não é uma versão do clássico do Hendrix). Trocando em miúdos: era um disco com seis faixas e incríveis 48 minutos de duração. O disco anterior, com suas 10 músicas, não passava dos 45. A gravadora vetou o lançamento do disco, e os Mutantes foram parar na rua.

Paralelamente a isso, Arnaldo Baptista se mostrava cada vez mais difícil e inacessível, figurativamente falando. Todos usavam drogas, mas Arnaldo passava dos limites e constantemente apresentava mudanças súbitas de humor e comportamento imprevisível. Além disso, o final do casamento com Rita Lee, mulher por quem era perdidamente apaixonado, contribuiu imensamente para o quadro psicológico desesperador do músico. Todos esses fatores resultaram em sua saída da banda após um ensaio no qual ficou o tempo todo brincando de fazer combinações diferentes com as letras de seu nome. Depois disso, os Mutantes passariam por diversas formações diferentes e se desviariam cada vez mais de sua proposta inicial, perdendo cada vez mais fãs.

Arnaldo, por sua vez, resolveu seguir uma carreira solo e, um ano depois, lançou o disco aqui resenhado: Lóki?.

Rotular esse registro apenas como música estranha e boa é minimizar sua amplitude. Não é apenas mais um disco de rock and roll. É um grito desesperado de um jovem genial de 25 anos que, quase ao mesmo tempo, perdeu tudo o que havia sido mais importante em sua vida: sua banda e sua mulher. Além disso, o disco carece da marca registrada de 99,99% dos discos de rock: a guitarra. Não há uma nota sequer tocada por uma guitarra elétrica. O mais próximo disso é uma faixa de menos de dois minutos tocada no violão.

O disco já começou controverso. Arnaldo não gostou nem um pouco da capa, que ficou muito aquém do que ele esperava e queria. Além disso, a banda que o acompanhou no estúdio insistiu para que alguns pequenos erros fossem corrigidos. Arnaldo disse não, e olha que a banda era formada por seus ex-companheiros de Mutantes, Dinho Leme (bateria) e Liminha (baixo). O resultado foi um disco que soa cru, apesar de contar com alguns poucos arranjos de cordas e harmonias vocais.

A faixa de abertura, Será Que Eu Vou Virar Bolor?, é praticamente uma auto análise. "Hoje eu percebi que venho me apegando às coisas materiais que me dão prazer". Uma frase pouco musical para abrir um disco, que em poucos instantes dá lugar ao desabafo de alguém que sente que as mudanças que ocorrem ao seu redor não estão lhe agradando. "Não gosto do pessoal da NASA. Cadê meu disco voador?", pergunta.

Uma Pessoa Só já havia sido gravada pelos Mutantes no A e o Z, mas como o disco só veria a luz do dia nos anos 90, ela era inédita ao público aqui. Uma letra belíssima, praticamente religiosa, com o refrão "Estamos numa boa pescando pessoas no mar, aqui, numa pessoa só". Rogério Duprat colaborou nesta com um arranjo de cordas.

Não Estou Nem Aí é uma luz otimista, onde um Arnaldo carpe diem canta sobre sua vontade de viver a vida ao máximo. "Não tô nem aí pra morte / Não tô nem aí pra sorte / Eu quero mais é decolar toda manhã". Rita Lee participa desta música fazendo backing vocal nos refrões, e mais uma vez Duprat colabora com orquestrações. É um dos pontos altos do disco, tanto em qualidade musical quanto em astral.

Vou Me Afundar Na Lingerie é uma mistura de idéias sobre um pano musical que remete às antigas músicas guiadas por piano. A letra faz diversas viagens, desde "Quem já dançou sempre tem medo dos homens" a "Hey, cuidado que cavalo não desce escada". Bem Arnaldo.

Após a intervenção instrumental de Honky Tonky, temos a genial Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?, uma bossa-rock com uma letra autobiográfica e um suingue sensacional. Cheia de referências ao passado e até à própria Rita Lee ("Cilibrina pra cá / Cilibrina pra lá"), que integrava a dupla Cilibrinas do Éden com Lúcia Turnbull na época.

Desculpe é uma canção de amor cheia de feeling, com os vocais de Arnaldo lembrando de leve a grande It's Very Nice Pra Xuxu, dos Mutantes. Claro que uma canção de amor desse cara não é como as outras, e é uma das mais emocionantes do disco, principalmente se levarmos em conta o quanto Arnaldo estava triste pelo fim do relacionamento com Rita.

Navegar De Novo é não apenas uma das mais incríveis do disco, como uma das mais tocantes músicas já gravadas por Arnaldo, contando com seu trabalho nos Mutantes. A faixa conta apenas com o próprio Arnaldo e seu piano, cantando sobre sua esperança no futuro do país de um jeito muito peculiar. A letra fala sobre como o Brasil está se tornando consumista, e que esse não é o caminho. Qual outra canção sobre o Brasil falaria "Por que não se instalam núcleos habitacionais menores para haver maior descentralização"?

Te Amo Podes Crer é uma declaração de amor incrível, e mais uma vez a letra se destaca. "É muito triste pensar em você como quem não vive depois da morte". Após aproximadamente 50 segundos, o canto melancólico dá lugar a uma passagem instrumental rock and roll, que logo é interrompida para que Arnaldo volte aos seus devaneios.

E assim segue a música até o fim do disco, a rápida É Fácil, tocada no violão, com a letra curtíssima "Eu me amo como eu amo você. É fácil." É impressionante como Arnaldo domina o instrumento, mesmo não sendo o seu principal. E assim termina Lóki?, um dos discos mais importantes do rock nacional.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
1. Será Que Eu Vou Virar Bolor?
2. Uma Pessoa Só
3. Não Estou Nem Aí
4. Vou Me Afundar Na Lingerie
5. Honky Tonky
6. Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?
7. Desculpe
8. Navegar de Novo
9. Te Amo Podes Crer
10. É Fácil