segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Artista: Arnaldo Baptista; Álbum: Lóki?


Artista: Arnaldo Baptista
Álbum: Lóki?
Ano: 1974
Gênero: Rock; MPB

Vou resistir à tentação pungente de usar uma frase proclamada por bocas de inúmeros roqueiros brasileiros: se você não conhece Os Mutantes você não sabe nada do rock and roll. Eu mesmo usei um eufemismo desta frase em outro lugar desse blog. Desta vez vou apenas me permitir dizer que, ao conhecê-los, você verá o rock brasileiro com outros olhos.

Ao resenhar o Jardim Elétrico, dos Mutantes, lançado em 1971, falei rapidamente sobre a trajetória da banda até o lançamento do referido disco. O que aconteceu depois, porém, é fruto de muita discussão e controvérsia. São fatos confirmados por uns, desmentidos por outros, mas o inegável é que, após o lançamento do quinto disco de estúdio em 1972 (o ótimo Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets), Rita Lee foi chutada da banda e os irmãos Baptista, juntamente com Liminha e Dinho Leme, gravaram o disco O A e o Z. O novo material trazia uma banda quase irreconhecível, mostrando um som muito próximo do rock progressivo. Músicas longuíssimas, como a faixa título e Hey Joe (não é uma versão do clássico do Hendrix). Trocando em miúdos: era um disco com seis faixas e incríveis 48 minutos de duração. O disco anterior, com suas 10 músicas, não passava dos 45. A gravadora vetou o lançamento do disco, e os Mutantes foram parar na rua.

Paralelamente a isso, Arnaldo Baptista se mostrava cada vez mais difícil e inacessível, figurativamente falando. Todos usavam drogas, mas Arnaldo passava dos limites e constantemente apresentava mudanças súbitas de humor e comportamento imprevisível. Além disso, o final do casamento com Rita Lee, mulher por quem era perdidamente apaixonado, contribuiu imensamente para o quadro psicológico desesperador do músico. Todos esses fatores resultaram em sua saída da banda após um ensaio no qual ficou o tempo todo brincando de fazer combinações diferentes com as letras de seu nome. Depois disso, os Mutantes passariam por diversas formações diferentes e se desviariam cada vez mais de sua proposta inicial, perdendo cada vez mais fãs.

Arnaldo, por sua vez, resolveu seguir uma carreira solo e, um ano depois, lançou o disco aqui resenhado: Lóki?.

Rotular esse registro apenas como música estranha e boa é minimizar sua amplitude. Não é apenas mais um disco de rock and roll. É um grito desesperado de um jovem genial de 25 anos que, quase ao mesmo tempo, perdeu tudo o que havia sido mais importante em sua vida: sua banda e sua mulher. Além disso, o disco carece da marca registrada de 99,99% dos discos de rock: a guitarra. Não há uma nota sequer tocada por uma guitarra elétrica. O mais próximo disso é uma faixa de menos de dois minutos tocada no violão.

O disco já começou controverso. Arnaldo não gostou nem um pouco da capa, que ficou muito aquém do que ele esperava e queria. Além disso, a banda que o acompanhou no estúdio insistiu para que alguns pequenos erros fossem corrigidos. Arnaldo disse não, e olha que a banda era formada por seus ex-companheiros de Mutantes, Dinho Leme (bateria) e Liminha (baixo). O resultado foi um disco que soa cru, apesar de contar com alguns poucos arranjos de cordas e harmonias vocais.

A faixa de abertura, Será Que Eu Vou Virar Bolor?, é praticamente uma auto análise. "Hoje eu percebi que venho me apegando às coisas materiais que me dão prazer". Uma frase pouco musical para abrir um disco, que em poucos instantes dá lugar ao desabafo de alguém que sente que as mudanças que ocorrem ao seu redor não estão lhe agradando. "Não gosto do pessoal da NASA. Cadê meu disco voador?", pergunta.

Uma Pessoa Só já havia sido gravada pelos Mutantes no A e o Z, mas como o disco só veria a luz do dia nos anos 90, ela era inédita ao público aqui. Uma letra belíssima, praticamente religiosa, com o refrão "Estamos numa boa pescando pessoas no mar, aqui, numa pessoa só". Rogério Duprat colaborou nesta com um arranjo de cordas.

Não Estou Nem Aí é uma luz otimista, onde um Arnaldo carpe diem canta sobre sua vontade de viver a vida ao máximo. "Não tô nem aí pra morte / Não tô nem aí pra sorte / Eu quero mais é decolar toda manhã". Rita Lee participa desta música fazendo backing vocal nos refrões, e mais uma vez Duprat colabora com orquestrações. É um dos pontos altos do disco, tanto em qualidade musical quanto em astral.

Vou Me Afundar Na Lingerie é uma mistura de idéias sobre um pano musical que remete às antigas músicas guiadas por piano. A letra faz diversas viagens, desde "Quem já dançou sempre tem medo dos homens" a "Hey, cuidado que cavalo não desce escada". Bem Arnaldo.

Após a intervenção instrumental de Honky Tonky, temos a genial Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?, uma bossa-rock com uma letra autobiográfica e um suingue sensacional. Cheia de referências ao passado e até à própria Rita Lee ("Cilibrina pra cá / Cilibrina pra lá"), que integrava a dupla Cilibrinas do Éden com Lúcia Turnbull na época.

Desculpe é uma canção de amor cheia de feeling, com os vocais de Arnaldo lembrando de leve a grande It's Very Nice Pra Xuxu, dos Mutantes. Claro que uma canção de amor desse cara não é como as outras, e é uma das mais emocionantes do disco, principalmente se levarmos em conta o quanto Arnaldo estava triste pelo fim do relacionamento com Rita.

Navegar De Novo é não apenas uma das mais incríveis do disco, como uma das mais tocantes músicas já gravadas por Arnaldo, contando com seu trabalho nos Mutantes. A faixa conta apenas com o próprio Arnaldo e seu piano, cantando sobre sua esperança no futuro do país de um jeito muito peculiar. A letra fala sobre como o Brasil está se tornando consumista, e que esse não é o caminho. Qual outra canção sobre o Brasil falaria "Por que não se instalam núcleos habitacionais menores para haver maior descentralização"?

Te Amo Podes Crer é uma declaração de amor incrível, e mais uma vez a letra se destaca. "É muito triste pensar em você como quem não vive depois da morte". Após aproximadamente 50 segundos, o canto melancólico dá lugar a uma passagem instrumental rock and roll, que logo é interrompida para que Arnaldo volte aos seus devaneios.

E assim segue a música até o fim do disco, a rápida É Fácil, tocada no violão, com a letra curtíssima "Eu me amo como eu amo você. É fácil." É impressionante como Arnaldo domina o instrumento, mesmo não sendo o seu principal. E assim termina Lóki?, um dos discos mais importantes do rock nacional.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
1. Será Que Eu Vou Virar Bolor?
2. Uma Pessoa Só
3. Não Estou Nem Aí
4. Vou Me Afundar Na Lingerie
5. Honky Tonky
6. Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?
7. Desculpe
8. Navegar de Novo
9. Te Amo Podes Crer
10. É Fácil

3 comentários:

stripolias disse...

Não sabia que você havia retomado o blog. Estou organizando o meu e acabo de linkar.
Sinceramente, conheço pouco de Mutantes e nem me sinto confortável para comentar a produção de Arnaldo. Mas não posso deixar de comentar que, ouvindo o pouco que disponibilizou aqui, estranhamente gostei.

Ana Helena disse...

Oi Russo! Aqui é a Pinga, que bom que vc voltou... ainda não terminei de ouvir os outros posts que me interessei mas quero ouvir esse Arnaldo, apesar de não ter guitarra (e por isso já fico com o pé atrás) hahah mas essa navegar de novo é maravilhosa..
Beijo!

. disse...

Arnaldo é simplesmente : PERFEITO

Não so LOKI como tudo o que o cara
escreveu, é simplesmente sensacional!

Salve Arnaldo, Salve Mutantes!

Parabens pelo blog!

Psicodeliciosamente
Didío Souza