sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Artista: Mikis Theodorakis (Μίκης Θεοδωράκης); Álbum: The Day The Fish Came Out


Artista: Mikis Theodorakis (ou Μίκης Θεοδωράκης)
Álbum: The Day The Fish Came Out
Ano: 1967
Gênero: Neoclássico; Música Grega

Trilha sonora de filme hoje em dia é um negócio complicado. Ou são músicas já conhecidas do público executadas por artistas já conhecidos (como na maioria das comédias, filmes de animação e ação) ou são tão semelhantes entre si que não se tornam muito marcantes (claro que isso é pessoal, mas é o caso dos filmes épicos de guerra, que parecem trazer sempre a mesma trilha sonora). São raros os filmes que têm uma trilha realmente interessante.

Entretanto, houve um tempo em que as trilhas sonoras eram obras à parte, interessantíssimas e tão marcantes que é impossível não recordar. Compositores geniais, como os italianos Ennio Morricone (que fez, entre muitas outras, a trilha sonora do espetacular The Good, The Bad and The Ugly, traduzido no Brasil como Três Homens Em Conflito) e Nino Rota (que, entre muitas outras, escreveu as músicas dos dois primeiros filmes da trilogia do Poderoso Chefão), o americano Henry Mancini (que compôs a trilha da Pantera Cor-De-Rosa, Charade e muitas outras), enfim - a lista não acaba: John Willians (E.T, Tubarão, Superman, Star Wars), Jerry Goldsmith (A Profecia, Alien), entre muitos outros. E o cara que eu vou resenhar aqui é grego e se chama Mikis Theodorakis (ou Μίκης Θεοδωράκης, no alfabeto grego).

Theodorakis nasceu na ilha grega de Chios em 1925 e desde cedo se interessou por música. Autodidata, começou a compor mesmo antes de dominar qualquer instrumento. Conseguiu montar um coral e apresentar seu primeiro concerto aos 17 anos de idade. Porém, logo o jovem Mikis sofreu nas mãos dos militares. Na Segunda Guerra Mundial, foi capturado enquanto participava da resistência à ocupação estrangeira (a Grécia foi ocupada pela Itália e posteriormente pela Alemanha) e severamente torturado.

Depois, durante a Guerra Civil Grega (um conflito entre os comunistas e anticomunistas que resultou na vitória dos anticomunistas, diga-se de passagem), Theodorakis estudou no Conservatório de Paris e conquistou o respeito e a admiração internacional por suas primeiras obras sinfônicas.

De volta à Grécia nos anos 60, Mikis começou a compor baseado na tradicional música grega e revolucionou a cultura de seu país, fazendo diversas miscigenações e resgatando temas de obras clássicas. Fundou um partido e se tornou membro do parlamento grego em 1964. Foi nesse período que Theodorakis compôs talvez a sua trilha mais famosa: Zorba, o Grego. Veja, abaixo, um dos momentos mais marcantes do filme (repare, claro, na trilha sensacional):


A liberdade não durou muito. Em 1967, uma junta facista tomou o poder na Grécia, além de banir sua música, baniu Theodorakis e sua família para a colônia de Zatourna, uma minúscula comunidade na região do Peloponeso. É nesse período que foi composta a trilha sonora que irei resenhar agora: The Day The Fish Came Out. Mas antes vou terminar de contar a história do compositor até o momento, visto que ele é vivo e está bem com seus 84 anos.

Em 1970, uma liga internacional conseguiu derrubar o governo facista grego e a sentença de Mikis foi amenizada para exílio. Com isso, ele pôde realizar concertos internacionais e divulgar sua luta contra a repressão dos militares gregos, que ainda dominavam o país; se tornou um símbolo de luta contra a ditadura. A perda da ilha de Chipre para os turcos em 1974 fez com que o governo militar se enfraquecesse e entrasse em colapso. Mikis pôde, então, retornar à Grécia e vive lá até hoje. É uma das figuras mais influentes do país e é considerado seu mais importante compositor vivo.

Mas voltemos ao The Day The Fish Came Out. Não sei dizer ao certo como entrei em contato com essa trilha sonora, visto que eu nunca assisti o filme (até tentei, mas não encontrei) e este não é considerado um dos grandes trabalhos de Mikis Theodorakis. Mas sei que já escutei várias vezes nos últimos anos, e cada vez mais me apaixono por essa obra.

A sinopse do filme segundo o site IMDb (Internet Movie Database) é a seguinte (traduzindo mais ou menos):

"Uma história cuidadosa. Um avião carregando uma arma mais perigosa que uma arma nuclear cai em uma ilha espanhola perto da Grécia. Para evitar o pânico, os oficiais vão à ilha vestidos de turistas (aliás, tão casualmente que os pilotos deduzem que eles sejam todos gays). Os pilotos não podem se deixar descobrir e não podem chamar a equipe de resgate. A necessidade de discreção causa uma comédia de erros envolvendo a desolada ilha, que decide que os turistas que ali chegaram precisam fazer toda a programação de turista."

Não parece ser um filme particularmente genial - a pontuação dele no mesmo site da sinopse é de 5.3 de 10 e várias pessoas assistiram e não gostaram. Parece que o escritor e diretor Mihalis Kakogiannis (ou Μιχάλης Κακογιάννης em grego) não conseguiu repetir o sucesso que teve ao dirigir a adaptação do livro Βίος και Πολιτεία του Αλέξη Ζορμπά, "A Vida e as Aventuras de Alexis Zorba" - mais conhecido como Zorba, o Grego. Mas a trilha sonora é realmente marcante.

Vale lembrar que, geralmente, uma trilha sonora traz alguns temas principais e diversas variações sobre esses temas (ora mais rápido e agressivo, ora mais lento, etc). E no caso de The Day The Fish Came Out, o tema principal se chama The Jet:



A sobreposição da melodia por ela mesma é sensacional, e vai crescendo ao ponto de parecer que algo muito grande está para acontecer. E quando parece que tudo vai acabar mal escutamos a belíssima The Greeks Take Over, com seus bouzoukis (um instrumento de corda típico da Grécia) junto ao teclado de fundo.

The Boys From The West é outra melodia recorrente na trilha sonora. Uma melodia onírica tocada em diversos instrumentos: bouzouki, o que parece ser um clarinete, acordeon, enfim - variações sobre um belíssimo tema.

Computers and Bouzoukis começa com uma melodia tocada no bouzouki e na flauta e, no final, faz uma referência à música anterior em uma bela transição - característica, como já disse, recorrente em trilhas sonoras.

West Meets East traz variações frenéticas sobre o tema de The Greeks Take Over e Sex On The Rocks é uma The Jet mais pesada e tensa, com os teclados saturados e uma introdução tensa com uma leve referência a The Boys From The West.

Karos Island Gets a Facelift é uma variação mais lenta de The Greeks Take Over, muito bonita por sinal. Stand By For The Tourist Boom é um interlúdio com uma introdução longa (suponho que no filme seja um momento tenso) misturada à introdução de Sex On The Rocks, que aqui funciona como o encerramento.

E então somos supreendidos pela faixa mais "outsider" do disco, a interessantíssima (para dizer o mínimo) The Next Time It's Unlikely To Be Spain. Um flamenco cantado a duas vozes femininas, acompanhado por orquestra e castanholas. O final, acapella, com as moças cantando "But one thing is absolutely plain, plain: the next time it's unlikely to be Spain! Ole!" seguido por um estouro de aplausos de um público fictício, é sensacional.

A partir daí, o disco volta às variações dos temas: The Day The Fish Came Out traz um clima meio sci-fi juntamente com uma variação de The Boys From The West; Let's Dance The Jet traz o tema principal com uma bateria mais reta e constante; Karos Has Strange Dreams é uma versão mais lenta de The Greeks Take Over; Looking For The Bomb parece uma versão alienígena de The Boys From...

A variação mais interessante, entretanto, é The Jet Rock. Com um riff de base que lembra um pouco a música Ring Ring, do primeiro álbum do ABBA, o tema principal é repetido no trompete de maneira quase irreconhecível. É impressionante o quanto Theodorakis consegue variar sobre o mesmo tema.

Karos 1972 A.D. traz novamente um clima de mistério e funciona quase como um prelúdio (pelo menos no álbum) para a faixa de encerramento, The Sonic Boom, uma versão um pouco diferente de The Jet, mas não menos épica.

É muito difícil expressar as variações deste disco em palavras. É um ótimo disco e consegue não cair na monotonia mesmo com a recorrência dos temas. Se você não tem o costume de escutar trilhas sonoras de filmes, procure os compositores citados neste post. Certamente são boas referências!

Tracklist:
1. The Jet
2. The Greeks Take Over
3. The Boys From The West
4. Computers and Bouzoukis
5. West Meets East
6. Sex on the Rocks
7. Karos Island Gets a Facelift
8. Stand by for the Tourist Boom
9. The Next Time It's Unlikely To Be Spain
10. The Day The Fish Came Out
11. Let's Dance The Jet
12. Karos Has Strange Dreams
13. Looking For The Bomb
14. The Jet Rock
15. Karos 1972 AD
16. The Sonic Boom

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Banda: Sleepytime Gorilla Museum; Álbum: In Glorious Times



Banda: Sleepytime Gorilla Museum
Álbum: In Glorious Times
Ano: 2007
Gênero: Avant-Garde

Nossa. Isso sim foi um hiato. Mas vamos lá!

Metal experimental. Para diversos puristas dentro da música pesada - o que, ao meu ver, é um paradoxo, visto que rock não combina com conservadorismo -, duas palavras como água e óleo: não se misturam e, caso se misturem, ou a água não é água ou o óleo não é lá essas coisas. Mas deixar esses preconceitos de lado pode nos trazer muitas recompensas, e não canso de bater nessa tecla.

Imagine o primeiro show de uma banda. Geralmente vão uns poucos curiosos, que estão ali apenas por acaso ou alguns amigos que vieram dar uma força. Mas a platéia do primeiro show do Sleepytime Gorilla Museum era assim:



Não é uma banana torta. É uma lesma da espécie Ariolimax dolichophallus.

Só por isso já dá pra ter uma idéia de como os membros da banda fogem do convencional. Pode parecer exagero, mas imagino que teatralidade seja o termo mais correto. O SGM respira teatralidade. Pelo site oficial da banda já dá pra ter uma idéia.

Segundo a história repetida pelos próprios integrantes e descritas no site, a origem do singelo nome Sleepytime Gorilla Museum remontam ao início do século XX, mais precisamente ao dia 22 de junho de 1916. Foi nessa data que um grupo dadaísta e futurista americano chamado Sleeytime Gorilla Press inaugurou um museu que eles denominavam de museu do futuro: era fechado ao público, anti-material e não-histórico. No dia seguinte, eles atearam fogo no museu. Exatos 83 anos após a inauguração (1999, para facilitar as contas) ocorreu o já descrito primeiro show da banda para a lesma-banana.

O SGM era composto, então, por Dan Rathbun, Carla Kihlstedt, Moe Staiano e David Shamrock. Mas classificar a função de cada um na banda é muito difícil, pois eles tocam, além dos instrumentos convencionais, muitos outros, ora existentes, ora de criação própria. Por exemplo: Poderia dizer que Dan Rathbun é vocalista/baixista, mas ele também toca harpa, trombone, "coisa", "roach" e outros instrumentos peculiares.

No dia seguinte após a estréia para a lesma, o Sleepytime tocou para uma platéia humana e, dois anos depois, lançou seu debut, Grand Opening and Closing (vale perceber que o título é uma referência ao museu do futuro, que abriu e fechou em dois dias). A recepção por parte do público (muitíssimo específico, só para frisar) e da crítica foi boa, e melhorou no álbum seguinte, Of Natural History, lançado em 2004.

Mas o auge do Sleepytime Gorilla Museum até o momento é o álbum aqui resenhado: In Glorious Times, lançado dia 29 de maio de 2007. Vale a pena, agora, detalhar os membros da banda e suas funções no álbum:

Matthias Bossi: bateria, glockenspiel, escaleta, percussão, piano, xilofone
Nils Frykdahl: voz, autoharp, flauta, guitarra/violões, guitarra percussiva, gravador, sinos tibetanos
Carla Kihlstedt: voz, autoharp, gaita-baixo, violino elétrico, nyckelharpa, órgão, guitarra percussiva, violinofone
Michael Mellender: acordeon, eufônio, guitarra, alavanca-alavancada, pâncreas (elétrico), percussão, tangularium, piano de brinquedo, trompete, valhalla, vaticano, roda, xilofone
Dan Rathbun: voz, autoharp, baixo, alaúde, wiggler com pedal, gravador, roach, tronco slide-piano, coisa, trombone

Não fique chateado (a) se você não conhecer a maior parte desses instrumentos. Quase ninguém conhece, e muitos deles só os caras da banda conhecem de fato - foram inventados por eles.

Mas voltando ao disco, a abertura de In Glorious Times é a épica The Companions, com mais de 10 minutos de duração e abordando uma rebelião de desesperados, um tema muito mais amedrontador do que pode parecer à primeira vista. E aqui já é bem possível notar como o Sleepytime Gorilla Museum trabalha bem idéias sombrias aplicando-as no mesmo grau tanto em letra quanto em música. O medo que o locutor sente ao descrever a rebelião é acompanhado por um fundo musical sinistro e lento, como se fosse uma caixinha de música. Porém, conforme a rebelião vai tomando corpo e a letra passa a retratar o ponto de vista dos desesperados, os vocais se tornam guturais e a música cresce em intensidade e peso, para retornar ao clima inicial nos dois minutos finais. Uma das melhores do álbum e certamente a mais apropriada para abrir.

Helpless Corpses Enactment começa com um clima bem death metal e, após meio minutos, entra em um tempo de 5/4, com riffs complicadíssimos e uma parte vocal raivosa. É interessante como eles trabalham diversas nuançes em cada música e como todas elas conseguem ser sombrias, tanto nas partes mais velozes e distorcidas quanto nas leves e melodiosas, categoria essa em que se enquadram as duas músicas seguintes, Puppet Show e a ótima Formicary, com sua pegada semelhante a um jazz vindo diretamente da mente de um palhaço malvado.

Uma das melhores músicas do disco é, sem dúvida, a ótima Angle Of Repose. A voz de Carla começa melancólica, seguindo as texturas da guitarra e os pratos da bateria. Eis que, quando menos se espera, entra um riff à-lá Dream Theater e a música ganha uma cara totalmente nova, junto com o violino e os demais instrumentos. E as mudanças não param por aí. Mais pra frente, a cantora começa a cantar com a voz rasgada, lembrando muito a islandesa Björk em seus momentos mais frenéticos.

O disco continua interessantíssimo com Ossuary, que começa com uma pegada de música árabe para terminar em um vocal gutural raivoso acompanhado por riffs de death metal em compassos irregulares.

Eu já disse mas vou ressaltar: o SGM exala teatralidade. É o que notamos no decorrer do álbum todo e fica ainda mais explícito na música The Salt Crown. A interpretação vocal é impressionante - ele soa como se estivesse interpretando um personagem, não como se estivesse cantando uma canção. E ele consegue fazer isso mesmo nos momentos mais pesados.

A música menos inspirada do álbum talvez seja The Old Dance, com as vozes acompanhando o riff esquisito e nada de muito diferente disso. The Greenless Wrath, porém, começa pequena e vai crescendo com o tempo, com os cantores aumentando a intensidade de suas vozes junto com os instrumentos até tudo explodir em uma música celta perturbada, cheia de distorções e os já característicos riffs não convencionais.

The Widening Eye é uma ótima faixa instrumental que leva para o encerramento do disco, a pesada The Putrid Refrain, que termina com algo semelhante a uma mensagem deixada em uma secretária eletrônica.

Não é um disco (uma banda, para ser mais preciso) muito fácil de assimilar, mas certamente é algo muito diferente do convencional e que vale a pena ser conferido por quem gosta de música pesada.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
1. The Companions
2. Helpless Corpses Enactment
3. Puppet Show
4. Formicary
5. Angle of Repose
6. Ossuary
7. The Salt Crown
8. The Only Dance
9. The Greenless Wreath
10. The Widening Eye
11. The Putrid Refrain

Abaixo, o clip de Helpless Corpses Enactment:

O Música Estranha e Boa está voltando... :)

Aguardem! Em breve, novas postagens!