sexta-feira, 30 de abril de 2010

Artista: Mike Patton; Álbum: Mondo Cane


Artista: Mike Patton

Álbum: Mondo Cane
Ano: 2010
Gênero: Música Popular Italiana

Certamente Mike Patton é a figura mais recorrente neste blog. Dos 32 discos já resenhados aqui, 6 tiveram a participação direta do vocalista - isso sem contar o Medúlla, da Bjork, onde ele gravou vozes para duas músicas, e todos os outros que conheci por intermédio de alguma de suas bandas.

Desta vez, porém, venho resenhar um disco que não é estranho por si próprio, mas as circunstâncias o tornam, no mínimo, peculiar.

Em 2007, a Itália foi palco do primeiro show do Mondo Cane, um projeto de Mike Patton junto com uma orquestra de mais de 30 músicos. Qualquer pessoa que conheça um pouco da carreira de Patton saberia que tudo poderia ser esperado: Mike já cantou em tantos discos de tantos estilos diferentes que chamá-lo de "eclético" é pouco. E sempre caminhando para o mais experimental possível.

Entretanto, a platéia que assistiu ao primeiro show do Mondo Cane não escutou nada pesado e frenético quanto o Fantômas, elaborado quanto o Mr. Bungle ou o Faith No More, sexy como o Lovage ou direto como o Tomahawk. A platéia viu um Mike interpretando clássicos da música italiana gravados nas décadas de 50 e 60.

Patton tem uma ligação muito forte com a Itália: foi casado com a artista italiana Titi Zuccatosta por 7 anos e tinha uma casa em Bologna. Fala italiano fluentemente e desde os tempos de Mr. Bungle já dava indícios de seu interesse pela música e cultura do país - basta escutar a faixa Violenza Domestica ou as versões que a banda fazia de músicas de compositores italiano em seus shows - como La Lucertolla ou Muscoli Di Velutto, de Ennio Morricone, ou mesmo 24.000 Baci, que ficou famosa na voz do "Elvis Italiano" Adriano Celentano.

Voltando ao Mondo Cane: o projeto só foi ao estúdio recentemente e o primeiro disco será lançado no dia 4 de Maio, pela Ipecac Records - selo do próprio Patton. Porém, a internet permite que a gente tenha acesso a muitas coisas que antes eram impossíveis, e consegui resenhar o disco com alguns dias de antecedência.

Eu já havia escutado a banda ao vivo e até baixado o vídeo de ótima qualidade de um show feito em Amsterdã em 2008. Foi amor à primeira vista. O repertório é impressionante, passando por momentos extremamente românticos - bregas, alguns diriam - como Ore D'Amore, L'Uomo Che Non Sapeva Amare e Senza Fine, jazzísticos como Che Notte, suaves como Deep Deep Down e Scalinatella e até frenéticos, como L'Urlo Negro. Entretanto, não havia um registro devidamente produzido destas canções com a orquestra. Pois bem, aqui está.

Mondo Cane, o álbum, é extremamente bem produzido e traz os melhores momentos do repertório que a banda costuma executar ao vivo (apesar de ótimos momentos, como Pine, Fucile et Ochiali e Yeeeeeeh! não terem entrado no disco). A voz de Patton está impecável como sempre.

Os arranjos são um show à parte. A faixa de abertura, Il Cielo In Una Stanza, difere bastante da versão original, do compositor Gino Paoli. Além do uso de guitarras, o andamento da música e a interpretação de Patton são grandes atrativos da releitura.

Em outros momentos, porém, o arranjo é praticamente igual ao original. É o caso de Che Notte!, originalmente gravada por Fred Buscaglione em 1959 e Ore D'Amore, famosa na voz de Fred Bongusto.

Além de ter um ótimo tracklist, o disco também vale como um ótimo lugar para buscar referências. Uma faixa que me chama muito a atenção é a pesadíssima L'Urlo Negro, gravada originalmente em 1967 pela banda de rock The Blackmen. Particularmente eu não esperava que existisse esse tipo de música no fim dos anos 60, e a versão do Mondo Cane é bastante fiel à original exceto por uns poucos efeitos: os gritos estão todos lá.

Outra faixa que merece destaque é a belissima Scalinatella, originalmente de Roberto Murolo. O andamento mais lento do Mondo Cane deu uma melancolia incrível à canção, deixando-a tão boa quanto a original.

Belíssimo disco.

Recomendadíssimo.

Tracklist (originais ao lado):
1. Il Cielo In Una Stanza (Gino Paoli)
2. Che Notte! (Fred Buscaglione)
3. Ore D'Amore (Fred Bongusto)
4. Deep Deep Down (Ennio Morricone)
5. Quello Che Conta (Luigi Tenco)
6. L'Urlo Negro (The Blackmen)
7. Scalinatella (Roberto Murolo)
8. L'Uomo Che Non Sapeva Amare (Nico Fidenco)
9. 20km Al Giorno (Nicola Arigliano)
10. Ti Offro Da Bere (Gianni Morandi)
11. Senza Fine (Gino Paoli)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Banda: The Shaggs; Álbum: Philosophy Of The World


Banda: The Shaggs
Álbum: Philosophy Of The World
Ano: 1969
Gênero: Rock Alternativo; Outsider

The Shaggs é uma banda feminina do final dos anos 60 e seu debut e único álbum, Philosophy Of The World, foi citado por Kurt Cobain e Frank Zappa entre seus álbuns favoritos. Entretanto, ao escutar esse álbum, um ouvinte desavisado certamente pensaria ser uma piada.

Imagine uma banda (cujo nome foi tirado de um corte popular de cabelo nos anos 60) formada por três irmâs - Dorothy, Betty e Hellen Wiggins - que têm um domínio muito, muito pequeno sobre os instrumentos que tocam. Mas muito pequeno mesmo. Além disso, as músicas pareciam não ter qualquer lógica ou métrica, executadas de maneira completamente caótica - a bateria de Helen quase sempre mantinha a mesma batida ao fundo e parecia ser completamente ignorada por Dorothy e Betty, que tocavam guitarra solo e base, respectivamente, e cantavam. Em todas as músicas sem exceção a guitarra solo tenta acompanhar a melodia das vozes em uníssono, que semitonam o tempo todo. Betty parece travar uma guerra com a guitarra base, desafinada durante todo o disco e tocada com pouquíssimo esmero.

Entretanto, é muito interessante ouvir Philosophy Of The World. É um caos completo, porém fazia completo sentido dentro da mente das irmãs. Existem relatos dos engenheiros de som que trabalharam no álbum de vezes em que as irmãs paravam porque alguma delas havia errado. Como elas percebiam isso, somente elas sabem.

Além disso, é tamanha a crueza e a ingenuidade das "composições" que é um álbum totalmente anti-artístico. Na verdade é um anti-álbum - tudo o que existe ali é impossível de ser reproduzido com autoridade por qualquer outra banda do mundo. E é por isso que tanto Cobain quanto Zappa admiravam tanto este disco - no ranking de discos preferidos, Cobain colocou Philosophy Of The World em 5º lugar. Zappa classificou os Shaggs como a terceira melhor banda da história.

As doze faixas do disco são muito diferentes e iguais ao mesmo tempo. Os elementos em comum já foram citados: a guitarra solo acompanhando a melodia vocal, a bateria praticamente autista, a guitarra base sem qualquer padrão e totalmente desafinada. Mas cada música tem uma "métrica" única e caótica, e letras totalmente ingênuas, como o começo da faixa título e de abertura:

Oh, the rich people want what the poor people's got
And the poor people want what the rich people's got
And the skinny people want what the fat people's got
And the fat people want what the skinny people's got

You can never please anybody in this world
 

Que significa:

Oh, as pessoas ricas querem o que as pessoas pobres têm
E as pessoas pobres querem o que as pessoas ricas têm
E as pessoas magrelas querem o que as pessoas gordas têm
E as pessoas gordas querem o que as pessoas magrelas têm

Você nunca pode agradar ninguém neste mundo

Outros pontos altos do álbum são My Pal Foot Foot (um clássico), I'm So Happy When You're Near, Sweet Things e It's Halloween.

Ah, você pode estar se perguntando "como elas conseguiram gravar um disco se eram tão ruins?". Simples: o pai das moças ouviu de uma cigana que leu sua mão que ele casaria com uma ruiva, que teria dois filhos após a morte de sua esposa e que suas filhas formariam uma banda famosa. As duas primeiras profecias se cumpriram, então ele tratou de comprar instrumentos, pagar as aulas e bancar o disco. Pode ter tardado, mas certamente não falhou, pois além dos dois compositores já citados nesta resenha, o álbum recebeu resenhas positivas de diversos meios especializados em música.

E termino esta resenha citando a frase da resenha do Allmusic.com: "Não existe um álbum que você tenha que soe remotamente semelhante a este”.

Recomendadíssimo, nem que seja como referência.

Tracklist:
  1. "Philosophy of the World" – 2:56
  2. "That Little Sports Car" – 2:06
  3. "Who Are Parents?" – 2:58
  4. "My Pal Foot Foot" – 2:31
  5. "My Companion" – 2:04
  6. "I'm So Happy When You're Near" – 2:12
  7. "Things I Wonder" – 2:12
  8. "Sweet Thing" – 2:57
  9. "It's Halloween" – 2:22
  10. "Why Do I Feel?" – 3:57
  11. "What Should I Do?" – 2:18
  12. "We Have a Savior" – 3:06

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Artista: Selda Bağcan; Álbum: Vurulduk Ey Halkim Unutma Bizi


Artista: Selda Bağcan
Álbum: Vurulduk Ey Halkim Unutma Bizi
Ano: 1976
Gênero: Folk Turco; Música de Protesto; Rock

Vamos falar de música de protesto, mas nada de Chico Buarque, Caetano Veloso ou Geraldo Vandré. Nem Mercedes Sosa, nem Violeta Parra. O disco aqui resenhado é da turca Selda Bağcan.

Imagino que pouquíssimas pessoas aqui no Brasil reconheçam esse nome, então vou contar um pouco do que consegui aprender sobre a história da cantora.

Selda Bağcan nasceu em 1948 na Turquia. Aprendeu a tocar violão por puro prazer, mas o prazer se tornou algo mais quando seus dois primeiros singles (ou "compactos", como costumava se dizer no Brasil), em 1971, venderam quase um milhão de cópias na Turquia. O sucesso de Selda fez com que ela gravasse um outro single com a banda turca de rock progressivo Moğollar, e graças ao sucesso deste compacto ela foi patrocinada pelo governo turco para participar de um grande festival na Bulgária, em 1972.

O primeiro LP de Selda viria a ser lançado somente no ano de 1976 (mesmo ano do lançamento do disco aqui resenhado). Vale dizer que era um álbum muito aguardado, pois ela era uma das artistas - se não a artista - mais proeminentes em um cenário dominado por homens.

A vida de Selda viria a se complicar bastante nos anos 80, após a Turquia sofrer seu terceiro golpe de Estado em vinte anos. Os militares tomaram o governo e Selda foi perseguida, tendo seu passaporte suspenso e sendo presa em algumas ocasiões. Ela só voltaria a fazer turnês internacionais em 1987.

Como não entendo uma palavra de turco é muito difícil saber do que as letras falam, mas todas as fontes que pesquisei falam a mesma coisa: ela é uma cantora de músicas de protesto - o que explica a perseguição sofrida nos anos 80. Mas não é preciso entender turco para admirar a música de Selda Bağcan.

Vurulduk Ey Halkim Unutma Bizi é seu segundo LP, lançado no mesmo ano do debut Selda. A quantidade de referências musicais que o álbum traz é realmente impressionante, e já se fazem notar na primeira faixa, a faixa título. Um folk totalmente diferente, com uma pegada totalmente oriental, totalmente acústica, com a voz potente de Selda no centro. Mas percebemos o quanto a então moça era criativa a partir da segunda faixa.

Utan, Utan traz instrumentos tradicionais da Turquia contrastando com bateria e guitarra elétrica, e a voz de Selda novamente se destacando pela potência e beleza. Não consigo encontrar no ocidente alguma cantora que cante da mesma maneira que Selda ou outra cantora oriental - o uso da microtonalidade (as pequenas oscilações intencionais de tom) é muito proeminente na música oriental.

O outro grande destaque do álbum vem logo em seguida no tracklist: Karaoğlan tem um tempo totalmente exótico e, mesmo utilizando instrumentos ocidentais (guitarra, contrabaixo, bateria), soa totalmente única. Ótima música.

O disco traz diversos pontos altos. A medievalesca Askerin Türküsü com suas orquestrações, a densa Maden Daği (Deloy, Deloy), Eco'ya Dönder Beni e a saideira Zamani Geldi, que soa pesada até os dias de hoje.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
1. Vurulduk Ey Halkim Unutma Bizi
2. Utan, Utan
3. 
Karaoğlan
4. Aciyi Bal Eyledik
5. Askerin Turkusu
6. 
Maden Daği (Deloy, Deloy)
7. Maden Iscileri
8. Gardasim Hasso
9. Bundan Sonra
10. Gozden Gezden
11. Arpaciktan
12. 
Eco'ya Dönder Beni
13. Zamani Geldi