sexta-feira, 15 de abril de 2011

Artista: David Bowie; Álbum: Low

Artista: David Bowie
Álbum: Low
Ano: 1977
Gênero: Rock Experimental; Eletrônico; Krautrock

David Bowie é uma figura tão polivalente que eu nem sei direito como começar esta resenha. Talvez porque sua carreira seja tão única quanto o próprio homem, de quem muita gente fala mas talvez nem tanta gente assim conheça a obra a fundo - apenas alguns singles de sucesso estrondoso, como Space Oddity, Starman (ou Astronauta de Mármore, para aqueles que conhecem a versão em português do Nenhum de Nós), Heroes ou os hits dos anos 80 Modern Love, China Girl (cover do grande Iggy Pop gravado com a intenção de levantar fundos para a reabilitação do amigo) e Let's Dance.

David Robert Jones nasceu no dia 8 de janeiro de 1947 em Londres. Sempre se interessou por arte e sempre foi excêntrico - e gostava disso. Dormia com meninas e meninos desde os 14 anos. Em uma briga com um amigo, ficou com a pupila esquerda permanentemente dilatada e ficou feliz por ter adquirido um atributo único.

Tentou fazer sucesso com diversas bandas nos anos 60, mas tudo o que colecionava era fracasso atrás de fracasso. Resolveu tentar a carreira solo. Seu primeiro álbum, David Bowie, foi um fracasso. Eis que, em 1969, sua (então) nova música Space Oddity estourou nas rádios, e Bowie virou um "one hit wonder" - coisa que ele temia mais que o fracasso.

Após lançar um álbum com o mesmo nome do single em 1969, o obscuro (porém ótimo) The Man Who Sold The World em 1970 e o belíssimo Hunky Dory (um dos meus favoritos, diga-se de passagem), David parecia fadado a uma carreira não muito reconhecida. Mas em 1972, com a criação de seu personagem andrógino Ziggy Stardust e da banda fictícia Spiders From Mars, David alcançou um sucesso meteórico na Inglaterra e se solidificou como um grande artista.

O glam rock de Ziggy Stardust deu tanto certo que David iria manter o estilo em seus 3 álbuns posteriores: Alladin Sane, Pin Ups (só de covers) e Diamond Dogs. E então David tomou provavelmente a decisão mais arriscada de sua carreira: matar Ziggy Stardust de vez e mudar radicalmente de estilo musical e de visual.

Para ilustrar melhor: em 1972, este era David Bowie como Ziggy Stardust:

E, em 1975, este era David Bowie simplesmente como David Bowie (ao lado de Art Garfunkel):


David passou a escrever soul, para o desespero de seus fãs. Lançou Young Americans em 1975, um belíssimo disco, mas nada glam. Tinha até uma parceria com John Lennon, a ótima e funkeada Fame, que virou um hit.

O problema de David nesse período era seu crescente vício em cocaína. Esse vício foi o carro chefe de seu álbum seguinte, Station to Station, de 1976, e do Thin White Duke, seu último personagem. Um belo álbum, ainda bebendo da fonte do soul, mas com outras influências, já trazendo influência de música eletrônica e do krautrock, um gênero musical misto e experimental que começou na Alemanha no fim dos anos 60.

A vida e o vício de Bowie se tornaram insustentáveis - muitas drogas, muitas mulheres e muitas paranóias. Foi por isso que ele aceitou o convite de Iggy Pop e, ainda em 1976, mudou-se para Berlim Ocidental para morar com o companheiro e se revitalizar. E foi graças a isso que o álbum aqui resenhado foi possível.

Low é, paradoxalmente, um dos (se não o) pontos altos da carreira de David Bowie. Gravado parte na França e parte na Alemanha, é uma colaboração com o mentor e tecladista da grande banda de art rock Roxy Music, Brian Eno (curiosamente o compositor do som de abertura do Windows - sim, o sistema operacional). Eno é conhecido por sua imensa criatividade e por seus sintetizadores, muito evidentes em Low.

Pouco antes do lançamento do álbum, Bowie participou de um filme chamado The Man Who Fell To Earth. Ele fez o papel do alien Thomas Jerome Newton, que vem à Terra para levar água para seu planeta natal. David compôs algumas músicas que ele pretendia usar na trilha sonora, mas o diretor Nicholas Roeg não achou que as músicas iriam servir. Então David usou alguns elementos dessas músicas em seu novo álbum (aqui resenhado).

Speed Of Life, a faixa de abertura, é um belo instrumental repleto de sintetizadores e guitarras deliciosas. Funciona como uma capa para o álbum: traz diversas características que irão desenrolar conforme o disco for tocando. É uma bela melodia, muito texturizada e muito detalhada.

E então vem a pedrada Breaking Glass. Em menos de dois minutos, Bowie traz uma atmosfera urbana extremamente pesada. A letra é simples, curta e fragmentada - um resquício de um período em que ele, seguindo o exemplo do novelista e poeta estadunidense William S. Burroughs, colocava diversas frases dentro de um chapéu e tirava a esmo para formar a letra. Belíssima faixa.

What In The World é uma bela mistura do estilo de Bowie com a música experimental de Eno. Um barulho eletrônico repetitivo, como se tivesse saído de um jogo de videogame antigo, se junta à banda e dá um tom único a essa música.

Sound And Vision, com seus riffs grudentos de guitarra e ritmo ligeiramente calmo e alegre, traz uma letra surpreendentemente triste e reflexiva sobre o auge do vício de cocaína de Bowie e a inspiração que por ora não aparece.

Falando em reflexiva, Always Crashing In The Same Car também se enquadra na categoria. Juntamente a uma melodia calma, repleta de guitarras e teclados, Bowie descreve como está "sempre batendo no mesmo carro", uma metáfora para alguém que repete sempre os mesmos erros.

O momento mais pop do álbum é, com certeza, a bela Be My Wife. O contraste da letra romântica retrô com a música ultraproduzida e moderna dá um charme único à essa faixa, que foi praticamente o canto do cisne do relacionamento de Bowie com sua então esposa Angela Bowie (o relacionamento já estava muito conturbado e iria terminar com o divórcio em 1980).

A New Carrer In A New Town começa com o sintetizador de Eno criando uma atmosfera espacial e se desenvolve subitamente em um instrumental que fecha o Lado A da versão em vinil do álbum. É uma melodia triste com um ritmo alegre, com uma gaita melancólica tocada por Bowie em boa parte da faixa. O título é uma referência à sua mudança dos Estados Unidos para a Alemanha.

Falar que a faixa anterior fechou o Lado A é importante porque o Lado B de Low é totalmente diferente. Ao contrário das faixas iniciais, que eram mais agitadas e fáceis de escutar, a partir daqui o álbum parte para um caminho totalmente experimental.

Warszawa é uma faixa quase-instrumental épica, composta por Bowie e Eno, que tenta retratar a triste situação da capital da Polônia (sim, Varsóvia) no pós-guerra (David esteve lá em 1973). O clima obscuro da faixa, juntamente com as 110 vozes (que são Bowie multiplicado em estúdio) e a letra em um idioma inventado tornam Warszawa uma das melhores faixas de Low. Antes de se chamar Joy Division, a banda de Ian Curtis se chamava Warsaw por causa da música de Bowie.

Art Decade é a tradução musical da impressão de David sobre a cidade onde morava (caso você tenha se esquecido, Berlim Ocidental). Triste, lenta e instrumental, tenta refletir a desolação que a cidade vivia nos tempos do muro. Entrou no álbum quase no último instante, quando Brian Eno a tirou da "pilha das rejeitadas", texturizou e convenceu Bowie a incluí-la em Low.

Weeping Wall é outra instrumental (com algumas vocalizações) sobre Berlim. Com algumas referências musicais diretas a Scarborough Fair (uma balada tradicional inglesa) e gemidos angustiados, Bowie acompanha Eno nesta faixa que é um resquício direto da trilha sonora de The Man Who Fell To Earth.

A faixa final é Subterraneans, que fala da Berlim do outro lado do muro. É ambient em sua maioria, com alguns saltos vocais e um belo solo de sax do próprio Bowie. A letra completamente fragmentada é outra que segue a técnica do já citado Burroughs.

Em suma, Low é um álbum totalmente híbrido, em todos os sentidos. Ao mesmo tempo que é um belíssimo disco "de guitarra", não o é no mesmo sentido que os dois primeiros do Led Zeppelin, por exemplo. Ao mesmo tempo em que é um disco experimental, não é da mesma forma que um disco do Zappa. É um disco de Bowie, e isso já o torna único por definição. É um dos poucos artistas realmente famosos que sempre deram a cara a tapa.

Recomendadíssimo.

Tracklist:
Lado A
  1. "Speed of Life" – 2:46
  2. "Breaking Glass" (Bowie, Dennis DavisGeorge Murray) – 1:52
  3. "What in the World" – 2:23
  4. "Sound and Vision" – 3:05
  5. "Always Crashing in the Same Car" – 3:33
  6. "Be My Wife" – 2:58
  7. "A New Career in a New Town" – 2:53
Lado B
  1. "Warszawa" (Bowie, Brian Eno) – 6:23
  2. "Art Decade" – 3:46
  3. "Weeping Wall" – 3:28
  4. "Subterraneans" – 5:39

Um comentário:

Cly Reis disse...

Excelente teu blog.
Parabéns.
Estarei sempre de olho.