domingo, 12 de junho de 2011

Banda: Kultur Shock; Álbum: Kultur-Diktatura



Banda: Kultur Shock
Álbum: Kultura-Diktatura
Ano: 2004
Gênero: Punk Cigano; Metal Experimental; World Music


O nome da banda não poderia ser mais honesto. O Kultur Shock é uma banda fundada em 1996 durante uma festa nos EUA onde alguns caras do leste europeu começaram a zoar suas próprias tradições com um violão. O sucesso na tal festa foi tanto que eles resolveram continuar com a fórmula, mas o formato acústico logo foi substituído pelo plugado e a banda começou a tocar nos bares de punk de Seattle - sempre misturando muito da música cultural leste-europeia. O primeiro disco da banda, Live In Amerika, foi lançado em 1999 e traz uma dessas apresentações.

Durante um show, o ex-baixista do Nirvana Krist Novoselic (de origem croata) se impressionou e chamou ninguém menos que Jello Biafra (ex-vocalista do Dead Kennedys), que também se impressionou e ligou para Billy Gould (baixista do Faith No More), que contratou a banda para seu selo, o Koolarrow Records.

O primeiro álbum pelo novo selo foi lançado em setembro de 2001, coincidindo com o mês dos atentados. Muitos americanos se sentiram ofendidos pelos arranjos com pitada árabe e quebraram os discos, coisa digna de Idade Média.

O Kultur Shock, entretanto, não se importou com os protestos e, três anos depois, lançou o álbum aqui resenhado, Kultura-Diktatura.

A formação do Kultur Shock na época era a seguinte: da Bósnia, Gino Srdjian Yevdjevic (vocal/djumbek) e Mario Butkovic (vocal/bozouki), dos EUA, Chris Stromquist (bateria) e Matty Noble (violino), do Japão, Masa Kobayashi (baixo) e, da Bulgária, Val Kossovski (guitarra/vocal).

O álbum abre com Tutti Frutti, que nada tem a ver com sua xará muito famosa nas vozes de Elvis Presley e Little Richard. Com uma influência escancarada de música cigana, a salada do Kultur Shock vai se revelando no decorrer da música: passagens com uma pitada de flamenco e até salsa. O peso que a música ganha no final lembra um pouco System Of A Down
. A letra mistura diversos idiomas, e essa é uma tendência no álbum.

Morto é uma faixa com forte influência de nü metal, com um ritmo mais groovado e guitarras pesadíssimas. Belos riffs durante toda a música, e o vocal se destaca muito pela influência da música oriental, muitas vezes lembrando o grande Serj Tankian do já citado SOAD
.

Horse Thief soa como se o Taraf de Haïdouks (banda romena de música cigana já resenhada neste blog) fosse liderada por Jello Biafra.
O ritmo galopante e frenético junto às letras em vários idiomas (entre eles bósnio, romeno e inglês) são deveras empolgantes, e a quebra inesperada no meio da música dá um charme único, recomeçando a música em um ritmo lentíssimo e gradualmente aumentando o andamento até explodir novamente. Uma das melhores faixas do álbum, sem dúvida.

Kamarage exala a origem balcânica da banda. Com uma levada marcante, um ritmo muito semelhante ao nosso baião, o Kultur Shock nos surpreende com um reggae no refrão.  Destaque também para o belíssimo solo de violino de Noble
.

Hashishi
 é uma das minhas favoritas. Um inesperado scratch dá lugar a um canto feminino em um ritmo que remete à dança do ventre e fica por muito tempo na cabeça. A execução dos instrumentos é impecável (como em todo o álbum), e a incorporação de elementos musicais mais modernos (scratch, batidas eletrônicas) torna esta música uma experiência que dificilmente se tem em outro álbum.

Alma tem uma introdução furiosa que destaca as habilidades de Stromquist na bateria. Acho interessante como o baixo poderia estar facilmente em uma salsa cubana ao mesmo tempo em que a guitarra dá à música uma roupagem totalmente oriental. A ponte exalta a máxima zapatista "todo para todos, nada para nosotros
". A salsa furiosa do final fecha esta faixa com chave de ouro - outro ponto altíssimo do disco.

Da Ye
 tem uma introdução melancólica que se transforma em um pegajoso refrão. A bateria é marcante durante toda a música, mas talvez seja um dos momentos menos inspirados deste belo álbum.

O mesmo, porém, não podemos dizer de Mustafa. A bateria anuncia um riff de metais que poderia estar em uma faixa do X-Ray Spex
, a banda de punk/new wave que utilizava o saxofone de maneira muito peculiar (vale a pena ir atrás de algo deles caso você não conheça). Segue-se então um tipo de bolero com uma performance impecável dos vocalistas. Uma faixa direta e muito sincera.

Blagunyo Denche
 tem um andamento esquisito (7/8) e muitos bouzokis e cítaras. O refrão com palmas e guitaras é interessantíssimo, mas não incluiria esta faixa entre as melhores do álbum.

Romana tem um riff à la Rage Against The Machine
 acompanhado com guitarras e metais no começo, mas logo tem uma mudança brusca de andamento e fica muito mais calma. Quando a faixa parece estar caminhando para esse caminho até o fim, a música muda para o punk rock e, novamente, para o riff do começo. Bela faixa.

Nightmare começa com um baixo agressivo e repetitivo que logo é complementado por uma batida eletrônica. Lembra um pouco Secret Chiefs 3
, até mesmo quando os andamentos mudam e transitam entre gêneros. É sensacional a naturalidade com que a música intercala o tradicional (música árabe, rock) com o mais "moderno" (música eletrônica).


Nano (N.J. 1919 - 2002) tem um clima épico, sempre criando uma expectativa de algo grandioso. Os interlúdios com harmonias vocais são belíssimos, e essa expectativa finalmente se cumpre aos 3:40, quando começa um riff matador de baixo e os demais instrumentos se unem para criar mais um grande momento deste álbum. Ótima faixa.

Too Late To Fornicate encerra o álbum de maneira inusitada. A guitarra solitária dedilha uma melodia triste e uma voz carregada de sotaque canta melancolicamente sobre sua dificuldade em se comunicar em inglês e sobre como "ainda é manhã cedo, mas já é tarde demais para fornicar
".

Kultura-Diktatura
 é um ótimo álbum de mais uma grande banda que quase ninguém conhece. É triste pensar que uma proposta interessante e diferente como essa raramente vê a luz do sol.

Recomendadíssimo.

Tracklist:

1. Tutti Frutti
2. Morto
3. Horse Thief
4. Kamarage
5. Hashishi
6. Alma
7. Da Ye
8. Mustafa
9. Blagunyo Denche
10. Romana
11. Nightmare
12. Nano (N.J. 1919 - 2002)
13. Too Late To Fornicate


Abaixo, Hashishi sendo executava ao vivo.